O dragão que habita seu interior
necessita escutar algumas palavras.
Você vai viver como se fosse um
viajante do tempo tendo sobre si a responsabilidade de salvar o universo
algumas vezes. Essa frase está plagiando avultosamente certo seriado da BBC. Você
vai perdoar e não se perdoará se deixar de perdoar. E vai reconsiderar a maldita
afronta feita diante das sempre-presentes misérias de seu próprio obstinado coração.
Não vai considerar a dura ofensa
maior que o bendito ofensor quando ele, finalmente, suplicar com os olhos ao seu perdão.
Você não vai abandonar, ainda que
deseje ardentemente, pessoas, por causa do ódio em chamas e nem pisá-las, lenta
e repetidas vezes, por causa da dor. Você não pagará na mesma moeda e nem em
moeda alguma, não estenderá a mão ossuda para destruir a víbora transitória, ainda
que quem te afligiu esteja no lugar horrendo onde um dia você esteve, nu, sem se importar com o que você sentia e sentia
muito.
Você não imaginará ter a luz das estrelas por
cobertura e nem gloriosíssima honra que não possa ser atingida ou maculada.
Você não usará da majestosa e inviolável dignidade de seu nome, por maior que
ele tenha sido elevado um dia, mesmo que por cinco minutos, como razão para
abater, por alguma razão cósmica, ao abatido.
Preste atenção, dragão.
Você não desejará e nem fará
violência contra seu grande amor. Ainda que seu grande amor tenha perdido
diante de seus olhos lacrimosos toda a rotunda consideração que um dia tivesse
tido. Quando quem devia te abrigar e proteger te abandonar, você não imporá nada além do que te é de
direito. Você não deixará de amar quem te feriu, ainda que amando em meio a ira.
Ainda que resistindo ao impulso de esganar a tal criatura. Você não envenenará a água que ele
te pedir para beber. Isso não significa ter que emprestar dinheiro e nem
permitir que ele permaneça com a coleção de dvd´s emprestada.
Você não se sentará em silencio, como
num drama interior de um shogun derrotado, mas ao mesmo tempo, não usará da sua
língua afiada para fazer aquilo que só conseguiria fazer literalmente com uma
espada desembainhada contra um adversário.
Você não espalhará “sempre-novas”
e cada-vez-piores mentiras sobre quem quebrou laços que jurou aos pés da rude
cruz que jamais se partiriam. E sempre
imaginará o melhor. Sempre esperará pela dignidade tardia.
Porque me olhas assim, querendo
me devorar?
Nunca fechará as portas à
reconciliação. E mesmo que ela não aconteça, por causa de atitudes indignas
continuas, emolduradas por uma malevolência ímpar, você ainda assim, não
alimentará a alma de amargura. Você será
poderoso em perdoar, rápido em abraçar e procurará viver em paz como quem
procura água em meio do deserto.
Você não se abrigará no ódio, não
se esconderá debaixo do rancor e nem descontará no pássaro, no coveiro, na
manicure, no pediatra e no trocador, nem no cachorrinho e nem no vendedor de
seguros, a provocação injusta.
Não adianta. Essa fumaça negra
saindo do canto de sua boca não me intimida.
Você não usará o PULPITO para
humilhar quem te desconsiderou. Você não
vai amarrar aquela que roubou quem não lhe pertencia no barco-que-queima,
previamente furado, em meio a noite tempestuosa daquele mar glacial cheio de orcas,
embora talvez seja razoável umas palavras de pouca estima para a torpe atitude,
seguida de alguns puxões de cabelo, e um
suave rasgo na roupa absolutamente nova da piriguete.
Você lutará pelo amor que te
conquistou. Até a ditosa velhice. Porém não permitirá que a raiva faça com que
a balança da justiça em sua mão, sequer, trema.
Ainda não é sua hora dragão.
Lutará contra o vulcão, contra as brasas,
contra o inferno que queima e ruge, contra as fagulhas e o fogo e não permitirá
que sua voz saia envolta no fogo de seu dragão interior. Seja com o filho
rebelde, com a vizinha implicante; com a amiga provocadora, com o chefe
inconsequente; com a vendedora mal-educada. Com o idiota dentro do trem, com o
motorista bêbado-por-natureza. Não vai permitir que o fogo te saia pelas
narinas para perseguir ao motoqueiro abusado, não vai permitir que aquilo que
de ofende seja mais forte do que aquilo que de FERE.
Agora é sua hora, dragão.
O dragão de nosso interior, nossa
ira, não é uma criatura inútil. E nem necessita estar trancado para sempre.
Não é necessário calar-se diante
da injustiça, do direito ameaçado, do perigo, da ameaça a segurança própria ou
alheia. Não é necessário calar-se ou resignar-se quando essa voz pode mudar uma
situação juridica, trabalhista, até de relacionamento.
A IRA tem hora para acontecer,
ela tem o lugar de sua aparição. Há momentos de legitimidade, onde ela é
liberada para fazer você incandescer como uma tocha e te envolver com a força
de mil leões para que você devore quem estiver no caminho da injustiça
realizada.
Aquieta-te novamente, dragão.
Há porém ofensas que esse dragão
não poderá te socorrer. São feridas de amizade, feridas de gente querida e
amada, são atos que sua raiva não poderá mudar, onde a amargura não poderá
consertar, onde o ódio não tem o poder de conceder força, só destrói o que
ainda resta e que vale a pena continuar.
Lute para que seu coração
estabeleça um lugar de abundancia, de graça, de misericórdia, de ajuda, de
benignidade, de justiça, de cortesia. Seja cortes, amável. Implique com os
amigos, mas, respeite ao próximo. Contenha-se. Repense o que você diz, dispa
suas palavras da essência da amargura, da acusação, do inoportuno. Ria,
brinque, não permita que sua voz transmita revolta. A ira muda a entonação, o
ritmo, a altura de sua voz. Parte do que transmitimos é verbal e parte, a maior
parte, não pode ser contida nos gestos, na textura da pele, na força do toque,
na expressão facial, na tonalidade, no ritmo das palavras. Não temos como mentir para nós mesmos. E a amargura é transmissível, ela é
arremessada, lançada de nós, sai de nossos espíritos e penetra no espírito dos
filhos, dos pais, dos amigos, dos conjugues. Junto de nossa voz.
Respire fundo e deixe o Espírito
de Deus tornar sua voz um canto. Seu sorriso,
Luz.